segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A industrialização da Inglaterra e Alemanha - uma disputa que levou à guerra

A fase inicial da Revolução Industrial é característica da Inglaterra. Foi lá que o desenvolvimento da produção fabril se desenvolveu inicialmente, e a partir daí se espalhou pelo resto do mundo. Nos primeiros tempos essas iniciativas estavam restritas à Inglaterra, que detinha o monopólio dessas atividades e desses produtos. É na Inglaterra que aos poucos a economia de base agrária vinha se modificando devido ao desenvolvimento comercial. As atividades tradicionais passavam a se modernizar para melhor se situar em uma economia de mercado com maior uso de moeda. Diante da demanda por uma produção maior, mais veloz, de menor custo - alterações que o avanço do sistema capitalista sempre exige de seus empresários e produtores - passa-se a procurar algumas inovações técnicas que possibilitem alcançar este nível produtivo, juntamente com amplas mudanças em outras esferas da sociedade.


Muitas razões podem se apontar que justifiquem a Inglaterra como centro irradiador das atividades industriais. A Inglaterra apresentava as condições necessárias para desenvolver tais atividades. É preciso lembrar que ela era a líder do comércio colonial, e, portanto, rica, com um imenso mercado a sua disposição. Dessa forma tinha razões para tentar aumentar a sua produtividade. Naquela época a dinâmica do mercado era muito restrita, de modo que o investimento em técnica para aumentar a produção era cerceado. Entretanto, a Inglaterra era a potência dos mares. Tinha um grande mercado em expansão e, portanto havia uma demanda por inovações técnicas para aumentar a produtividade. Por outro lado, havia disponibilidade de capitais a serem aplicados nas inovações.

Assim, este desenvolvimento econômico propiciou que se configurasse um sólido sistema financeiro e monetário, o que era imprescindível para os investimentos industriais. Também havia um bom sistema de crédito, que atendia a demanda por dinheiro, sempre crescente em tal ambiente de desenvolvimento das atividades econômicas.

O processo de industrialização britânico ocorreu, portanto, de forma lenta e obedecendo a uma série de etapas. É claro que se compararmos o ritmo do avanço das inovações técnicas obtidas anteriormente com a Revolução Industrial chegaremos à conclusão de que este último foi frenético. Entretanto, ao observarmos o ritmo próprio da época industrial, ou seja, o ritmo de outros países em industrialização, veremos que foi relativamente lento. O ritmo do processo industrial alemão, por exemplo, foi bem mais acelerado. Tal característica da inglesa deve-se a seu caráter pioneiro. Era necessária a criação de novas tecnologias, experimentos no sentido de se avaliar a sua viabilidade, verificar os resultados econômicos das iniciativas, esperar-se pelo crescimento do mercado e da demanda, aperfeiçoar uma mão-de-obra capaz de atuar no novo mercado de trabalho. Era, portanto, um processo cadenciado, que obedecia a diversas fases progressivas de desenvolvimento.

Assim sendo, a industrialização inglesa teve uma base comercial, pois eus produtos tinham um destino ditado pela demanda do grande comércio internacional desenvolvido pelo país. Por outro lado, percebe-se tanto na área da produção propriamente dita, como na da comercialização, bem como na área dos bens de produção, que os empreendimentos são essencialmente particulares. Tal fato também é significativo no que diz respeito aos fornecedores de crédito. Portanto, a Revolução Industrial Inglesa é eminentemente uma empresa particular, por conseguinte, liberal. Logo se passou a pleitear as condições necessárias ao sucesso dos empreendimentos: diminuições de impostos, liberdade de iniciativa, queda de barreiras alfandegárias, etc.

Com respeito aos recursos aplicados no processo de industrialização, como já mencionamos, era de origem particular, originado no seio do próprio país. Tais capitais foram originados pela acumulação resultante da revolução comercial a partir do século XVII, quando a Inglaterra passou a assegurar uma participação cada vez maior no comércio mundial, interferindo inclusive nas explorações coloniais de Espanha e Portugal. Esse crescimento comercial e acumulação de capital deram origem a um sólido sistema financeiro e monetário que a princípio atuava na esfera desse mercado internacional inglês e suas transações, e que posteriormente muito atuou no processo de industrialização do país. Esses financiamentos também tiveram grande êxito pelo caráter relativamente acessível dos custos iniciais da modernização tecnológica, que utilizava simples engenhos com excelentes resultados para a época. Ainda é digno de nota que esses financiamentos eram geralmente de curto prazo, até devido aos investimentos de longo prazo serem evitados por serem considerados perigosos. Por outro lado a disponibilidade de capital acumulado permitia que a procura dos financiadores fosse apenas para uma parte do empreendimento. Ainda é necessário considerar que o fato desses investimentos serem de pequeno vulto e proporcionarem grandes rendimentos como recentemente mencionado, contribuía também para o prazo curto das operações.

Em comparação, a Revolução Industrial na Alemanha processou-se de forma bem diversa. A diversidade política, cultural e econômica da Alemanha propiciou outro caminho.

É necessário perceber-se que a Alemanha está composta de uma série de regiões relativamente autônomas e isoladas entre si, sob a influência do império austríaco, além dos desejos de autonomia e de hegemonia da Prússia, que desejava se impor na região. A região era em geral conservadora e arcaica se comparada a outros centros europeus, principalmente à vizinha França. Em muitas regiões as relações sociais eram ainda basicamente feudais, ou pelo menos semi-feudais. Havia ainda relações servis, e onde elas já não mais imperavam também o trabalhador não tinha melhor sorte. A economia era essencialmente agrícola e em grande parte tendia a auto-suficiência. O rendimento das culturas era muito baixo. Predominava a indústria artesanal. Ainda se pagava uma parte da produção às altas classes sociais, o que somado aos demais fatores prejudicava o desenvolvimento econômico. A aristocracia dos Junkers exercia grande influência na região, sem interesses de desenvolver uma nova estrutura econômica, pelo contrário, seu objetivo era a preservação das relações sociais existentes.

De fato, verifica-se que na maior parte da Alemanha ocorreram muito poucas mudanças no século XVIII e início do XIX. A Revolução Francesa exerceu certa influência no sentido da modernização. O comércio experimentou crescimento, algumas mudanças começaram a ocorrer mais rapidamente, a fraca burguesia progrediu. Entretanto, o conservadorismo era ainda extremamente forte. A monarquia Hohenzollern permanecia na prática no ancién regime, ligada aos interesses Junkers, autoritária e interventora. Aliás, essa é uma característica marcante da industrialização alemã: a participação do Estado. O Estado alemão era interventor e regulador.

Algumas mudanças ocorreram, entretanto, mais no sentido de se assegurar a manutenção do sistema estabelecido e jamais no sentido de quebrar os privilégios das classes dominantes. O próprio Frederico tinha uma perspectiva conservadora. O Estado na verdade tomou algumas medidas no sentido de promover algum avanço econômico: lançou algumas empresas industriais, agiu como empresário face à falta de iniciativa privada, estimulava-se a indústria e inclusive se criou financiamentos de incentivo e para socorrer as empresas em dificuldades. Entretanto, estes fatos não devem ser interpretados como uma tentativa significativa na direção da industrialização do país, mas como medidas que visavam fortalecer a monarquia. Isto percebe-0se pela sua prática de estabelecer pesados impostos, protecionista e de preservar a servidão. Assim o conservadorismo foi mantido, e se firmou a tradição intervencionista. O Estado controla a economia e age como empresário e promotor de uma tímida industrialização.

Assim, na Alemanha, temos um início de Revolução Industrial conservador, intervencionista e protecionista nos moldes do mercantilismo. Apesar dessa situação que pode parecer cerceadora do desenvolvimento industrial, percebe-se que o que ocorre é a criação de uma série de condições para que esse desenvolvimento venha a ocorrer.

Com a ocupação do oeste pelos exércitos de Napoleão, ocorreram mudanças no sentido de liberalizar a economia, quebrar a velha ordem e dar mais abertura a economia de mercado. Assim, a partir de 1806, a Prússia começa uma série de reformas no sentido de modernizar sua economia: passa a fazer uma reforma agrária, permite a emancipação dos servos e desenvolve uma economia mais liberal. Estes fatos permitiriam maior desenvolvimento das indústrias. A reforma agrária modernizou a posse de terras sem modificar a estrutura social do país, e inserindo as propriedades camponesas na nascente economia de mercado. A libertação dos servos, apesar de não ser um dos objetivos iniciais do projeto, veio a promover a formação da força de trabalho a ser futuramente utilizada pelas indústrias e ao mesmo tempo em que permitia a mobilidade pessoal necessária à divisão do trabalho. Com estas mudanças os capitais estavam mais livres para serem aplicados e as transações em dinheiro foram se tornando cada vez mais freqüentes.

A agricultura passou a progredir, incentivada pelos ganhos oferecidos pela economia de mercado. As condições médicos sanitárias também tiveram significativos avanços. Em conseqüência a população apresentou um incremento notável. Este crescimento populacional também foi importante para a formação de uma reserva de trabalho. Com o andamento do processo, começou a haver uma carência de terras frente ao crescimento populacional e a concentração da propriedade de terras. Ocorria então o êxodo rural. As populações dirigiam-se as cidades em busca de oportunidade na indústria. Entretanto a indústria não absorvia todo este contingente, o que ainda mais contribuía para a abundância de mão-de-obra, baixando os salários, incentivando assim o processo de industrialização.

Devido ao processo ter maciçamente a presença do Estado, não se desenvolvia uma classe média independente. As cidades eram poucas e pequenas, com fraco desenvolvimento industrial. Na verdade a classe média mais significativa esta localizada no serviço público, entretanto encontrava-se tutelada pelo Estado.

O investimento de capital encontrava, portanto, fortes dificuldades: a pequena classe média, os riscos dos investimentos, a pequena acumulação com o comércio externo e o lento crescimento do mercado.

Entretanto, apesar de todos esses problemas, de permanência de traços do feudalismo, de um governo que estava interessado em uma política industrial mais ampla, do conservadorismo e da fraqueza da classe média entre outros, se formou na verdade, nos primeiros anos do século XIX, uma base preliminar de condições sobre as quais um processo de industrialização de maior envergadura pudesse avançar. Porém, neste cenário que ao mesmo tempo integrava uma base para a industrialização e se constituía em dificuldades e barreiras que impediam uma transformação econômica mais profunda, que fatores devem ter impulsionado de maneira mais decisiva e com maior vigor a industrialização?

Uma série de fatores sem dúvida contribuiu. Havia já alguns recursos a serem investidos, havia potencial de trabalho ocioso, as influências vindas do exterior (principalmente da Inglaterra) que mostravam um novo modelo econômico, os produtos industrializados, as tecnologias já desenvolvidas e a disponibilidade e inclusive o interesse de capitais de participarem do processo.

Percebe-se aqui mais algumas diferenças importantes em comparação com a Inglaterra. Na Alemanha os recursos são poucos. Uma grande parte deles provém do exterior. Na Inglaterra são originários do próprio país e existem em abundância. Assim a Alemanha vai ter um desenvolvimento industrial financiado por estrangeiros. Por outro lado, o processo inglês teve motivações internas de sua evolução econômica. Claro que na Alemanha isto também ocorreu, mas em grau muito menor, uma vez que suas características apresentavam-se bastante conservadoras. No território alemão foram importantes as influências vindas de fora, o consumo de produtos industriais estrangeiros a ativar os desejos de possuí-los e de produzi-los. Ainda é importante notar as diferenças temporais dos dois processos. O inglês bastante cedo se manifestou, mas com um ritmo mais lento, ao passo que o alemão apresentou-se mais tardiamente e avançou de forma rápida. Nesse sentido é preciso compreender que o avanço rápido foi possível devido à disponibilidade de tecnologia pronta e de modelos já construídos, o que permitiu aos alemães queimar etapas. Além disso, a crescente competitividade entre as nações da Europa demandavam pressa à Alemanha, sob pena de não mais acompanhar o processo, ficando irremediavelmente relegada a um segundo plano no continente.

Uma medida importantíssima nesse sentido foi a criação do Zollverein em 1834, que passou a configurar uma área de comércio livre na maior parte da Alemanha. Este fato foi bastante importante, pois as indústrias dependem de um grande mercado para fazer funcionar suas linhas de produção lucrativamente. Entretanto, para que o Zollverein pudesse realmente funcionar na prática, havia a necessidade de se melhorar o setor de transportes. Este fato também trouxe um incremento à indústria. O transporte fluvial e a estradas foram melhorados, mas o mais significativo foi a construção do caminho de ferro. A exemplo da Inglaterra, onde as ferrovias tiveram também grande importância, na Alemanha elas foram decisivas. Tal importância não se deve simplesmente pela melhoria dos transportes, mas a própria construção das vias incremente a indústria e incentiva o desenvolvimento da metalurgia, além de usar tecnologia moderna para a época, que colocava o país em um nível tecnológico avançado. Por outro lado, o caminho de ferro permitiu a difícil integração das diversas regiões que então compunham a verdadeira colcha de retalhos que era a Alemanha. Ainda é significativo o fato de que o material era importado, e, portanto, fato este que mais uma vez incentivava a produção interna. Também fomentou a exploração de carvão e o desenvolvimento de uma indústria pesada. Portanto, as ferrovias e a indústria pesada vão ser o sustentáculo da industrialização da Alemanha.

Devido às características peculiares do processo de desenvolvimento industrial alemão, podemos perceber outras diferenças do processo britânico: além do capital ter origem externamente, era necessário que os investimentos fossem muito grandes. Daí, um dos motivos também da grande importância da participação do Estado. A iniciativa particular de forma nenhuma tinha condições de arcar com um processo caro de montagem de ferrovias e de indústrias de base. Era necessária a participação do Estado e também dos capitais estrangeiros. Por outro lado, devido à envergadura desses financiamentos, eles eram feitos a longo prazo.

O caráter arcaico e conservador do Estado e da sociedade alemã vai direcionar o processo, pelo que se apresenta um desenvolvimento sem as turbulentas modificações sociais que se manifestaram nos demais países, acabou por influenciar decisivamente nos resultados do processo. As transformações sociais foram tímidas, prevaleceu o autoritarismo, os proprietários rurais sempre tiveram preservados as suas propriedades e muito de sua influência. Tambem resulta uma economia tutelada pelo Estado, que suporta a sua intervenção, protecionista e militarista de um cunho extremamente nacionalista. Aliás, o militarismo é outro traço característico fundamental da industrialização alemã.

Com o desenvolvimento industrial alemão, passou-se a ter necessidade de se ampliar as atividades e os mercados. É a necessidade de ampliação constante do capitalismo. Assim passou-se a defender uma política externa mais competitiva. Colônias foram então conquistadas, servindo como fonte de matérias-primas baratas e mercado consumidor para seus produtos. Para fazer frente a essa política era necessário incrementar a indústria naval e também a de armamentos. Os armamentos e as embarcações significavam trabalho e lucro para a indústria pesada, contribuindo para a prosperidade geral. Tal fato também teve repercussões sobre o nacionalismo alemão, que foi amplamente aumentado. Percebe-se assim o caráter belicista da industrialização alemã, que de resto não pode ser excluído também dos demais países europeus. Não só a Alemanha tomou este caminho, que na verdade era uma exigência do capitalismo industrial em desenvolvimento na época.

Assim o militarismo, o nacionalismo, a produção de armas e o colonialismo vão proporcionar um ambiente de grande desenvolvimento industrial para a Alemanha, que ao começo do século XX encontra-se já em um estágio industrial muito avançado, capaz de acompanhar os países mais desenvolvidos do continente e com eles rivalizar.

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